Para que se possa identificar as dificuldades para implantação da Governança no setor público é fundamental que se distinga as diferenças conceituais entre a Governança aplicável ao setor público e aquela incorporada pelo setor privado. Também é importante analisar as teorias de mudança organizacional para investigar qual delas explica a dinâmica de mudanças no setor público.
Desse modo, como resultado da dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação, Geraldo Loureiro, propõe realiza estudo sobre os conceitos de Governança Corporativa, Governança de TI e Gerenciamento da Área de TI, à luz dos postulados da Teoria Institucional que bem explicam a necessidade de ações isomórficas para legitimação das práticas e procedimentos que viabilizam a implantação da Governança de TI na área pública. Veja a íntegra da dissertação em (Geraldo Loureiro, 2010).
Conclui-se no estudo, que a divergência maior entre esse setor público e privado se encontra na forma como os agentes responsáveis pela governança reagem a essas pressões. No setor privado, o foco está na reversão do resultado financeiro, na busca pela remuneração do capital investido, para sobrevivência da empresa. No setor público, busca-se a salvaguarda das decisões e legitimidade das ações, a sobrevivência da organização depende do cumprimento de cerimoniais, ritos legais e mitos culturais, dado que inexistem indicadores financeiros de resultado.
Corrobora essa conclusão alguns pressupostos, a seguir detalhados.
Governança Corporativa
A síntese de todos os conceitos de Governança Corporativa envolve direção, controle e agregação de valor, que são perfeitamente aplicáveis a todos os tipos de organização, sejam do setor privado ou público.
De fato, não há diferença entre os princípios que tratam da boa Governança Corporativa em organizações públicas ou privadas. A boa governança requer definições claras de responsabilidade e entendimento amplo da relação entre os acionistas da organização e os encarregados de gerenciar seus recursos e entregar resultados BARRETT, 1997 (p. 3).
Em outro estudo, mais recente, BARRETT, 2001 (p. 12) afirma que, apesar de haver similaridades, é importante reconhecer as diferenças básicas entre estruturas administrativas das entidades do setor público e do privado, bem como entre seus frameworks de responsabilização (accountability). O ambiente político, com foco em verificações, contabilidade e sistema de valores que enfatizam questões éticas e códigos de conduta, implica um framework de Governança Corporativa completamente diferente daquele orientado a negócios, típico do setor privado.
Já MARQUES, 2007 (p. 12) corrobora esse entendimento ao afirmar que o setor público tem responsabilidades e “accountabilities” perante numerosos e variados stakeholders, além das mais diversas exigências sobre abertura e transparência das informações.
O termo Governança Corporativa é indissoluvelmente unido com accountability (responsabilidade por prestar contas), por isso ter sido trazido do setor privado. Assim, a diferença entre as organizações depende da natureza da entidade envolvida e das exigências de prestação de contas a que são submetidas.
O setor privado utiliza a Governança Corporativa para ser competitivo e entregar bons resultados regularmente, enquanto a utilização da Governança Corporativa no setor público é vantajosa por agregar um conjunto de processos que asseguram a “accountability” dentro das organizações públicas (MARQUES, 2007).
Assim, a diferença da Governança Corporativa no setor público e privado não seria conceitual, mas estaria embutida na finalidade da adoção das boas práticas inerentes ao conceito. O objetivo no setor privado estaria na busca pelo resultado, e no setor público, a busca pela conformidade. Geraldo Loureiro, 2010
Governança de TI
Para Vinten (2002 apud ALI; GREEN, 2007, p. 42), organizações do setor público há muito reconhecem a importância da efetiva Governança de TI para o seu sucesso. Contudo, poucas pesquisas têm sido realizadas para examinar quais mecanismos contribuem para estabelecer essa efetividade dentro de organizações públicas. De fato, não foram identificadas conceituações para a Governança de TI em Organizações Públicas, o que pode indicar semelhanças entre a aplicação do conceito no setor público e no setor privado.
Mas valendo-se do estudo sobre Governança de TI no setor privado, presente em segmentos anteriores desta pesquisa, identificam-se as semelhanças e divergências, o que permite traçar um paralelo entre os modelos.
A literatura sobre GTI destaca alguns basilares nas organizações que governam sua tecnologia: alinhamento estratégico entre a TI e os negócios, entrega de valor pela TI à organização, gerenciamento dos riscos relacionados a TI, gerenciamento do desempenho da TI, gerenciamento de recursos e controle e responsabilização pelas decisões de TI (VAN GREMBERGEN; DE HAES; GULDENTOPS, 2004, p. 7; ITGI, 2003, p. 21; WEBB; POLLARD; RIDLEY, 2006, p. 7; FLETCHER, 2006, p. 34). Com foco nesses basilares, não se identifica diferenças entre a Governança de TI aplicável em organizações do setor público e do setor privado, como se demonstra a seguir:
- Alinhamento estratégico entre a TI e os negócios – a área de TI não pode estar alheia aos objetivos estratégicos, seja em organizações públicas ou privadas, sendo de fundamental importância o alinhamento para que se obtenha esse suporte no presente e nas ações futuras;
- Entrega de valor pela TI à organização – a agregação de valor não envolve necessariamente aspectos financeiros. Resultados e desempenho devem ser buscados, e a área de TI deve contribuir, direta ou indiretamente, para o atendimento das metas das organizações, sejam públicas ou privadas;
- Gerenciamento dos riscos relacionados a TI, Gerenciamento do desempenho da TI, Gerenciamento de recursos, bem como o Controle e a responsabilização pelas decisões de TI – são atividades de gerenciamento e controle do segmento de TI das organizações e não há diferenciação entre o segmento público ou privado.
Reforça essa ausência de diferenças, a publicação da Norma Internacional ISO/IEC 38500, 2008, que trata da Governança Corporativa e Governança de TI, definindo ser plenamente aplicável aos setores público e privado, inclusive os conceitos (apresentados no Capítulo 2 - Referencial Teórico) e os seis princípios para a boa Governança de TI, a saber:
- Princípio 1 – Responsabilidade – indivíduos e grupos nas organizações entendem e aceitam suas responsabilidades relativas ao suprimento de serviços e atendimentos de demandas de TI. Quem tem responsabilidade pela ação também tem autoridade para executá-la;
- Princípio 2 – Estratégia – as estratégias de negócios das organizações levam em conta a capacidade atual e futura da área de TI; os planos estratégicos de TI satisfazem as necessidades correntes e vindouras das estratégias de negócios da organização;
- Princípio 3 – Aquisição – aquisições de TI são feitas por razões válidas, com base em análises avançadas e apropriadas, mediante clara e transparente tomada de decisão. Há um adequado equilíbrio entre benefícios, oportunidades, custo e risco, em termos de curto e longo prazo.
- Princípio 4 – Desempenho – a TI é direcionada para dar suporte à organização, provendo os serviços, níveis de serviço e qualidade de serviço compatíveis com os requisitos de negócios atuais e futuros;
- Princípio 5 – Conformidade – a TI se sujeita a todas as legislações e regulamentações obrigatórias. Políticas e práticas são claramente definidas, implementadas e seguidas;
- Princípio 6 – Comportamento humano - as políticas, práticas e decisões da TI demonstram respeito pelo Comportamento Humano, incluindo as necessidades atuais e sobrejacentes de todas as ‘pessoas no processo’.
Porém, para ROCHELEAU; WU, 2002, a diferença fundamental é que o setor público fornece "serviços públicos", não serviços para venda. O aspecto financeiro que envolve as organizações do setor privado permite, com mais facilidade, a aquisição de tecnologias de ponta, vez que o investimento proporciona uma vantagem competitiva e subsequente ganho financeiro para organização. A falta de competitividade explica o fato de o setor público apresentar atrasos nas áreas de desenvolvimento e implantação de Tecnologias de Informação em relação ao setor privado (CAUDLE; GORR; NEWCOMER, 1991 apud SETHIBE; CAMPBELL; MCDONALD, 2007, p. 836).
Utilizando-se dos estudos de BARRETT, 2001 (p. 12) sobre as diferenças entre organizações públicas e privadas, projeta-se que a Governança de TI em organizações do setor público sofre a influência do ambiente político – com foco em verificações –, e dos sistemas de valores, que enfatizam questões éticas e cumprimento de normas e dispositivos legais. Pode-se então afirmar que a Governança de TI nos setores público e privado seja semelhante em seus pilares básicos, mas muito diferente nos aspectos ambientais que envolvem as características das Pressões Institucionais externas e internas. De fato, as Pressões Institucionais representam importante fonte de demandas para as áreas de TI nas organizações públicas, e as pressões financeiras e de mercado, inerentes ao setor privado, são forças propulsoras de demandas ao mesmo nas empresas e firmas.
Assim, depreende-se que a divergência maior entre esse setor público e privado se encontra na forma como os agentes responsáveis pela governança reagem a essas pressões. No setor privado, o foco está na reversão do resultado financeiro, na busca pela remuneração do capital investido, para sobrevivência da empresa. No setor público, busca-se a salvaguarda das decisões e legitimidade das ações, a sobrevivência da organização depende do cumprimento de cerimoniais, ritos legais e mitos culturais, dado que inexistem indicadores financeiros de resultado.