A evolução do conceito de governança no setor público transcende a mera conformidade normativa, consolidando-se como um vetor estratégico para a sustentabilidade organizacional e a efetiva entrega de valor à sociedade. Em sua essência, a sustentabilidade, no contexto da administração pública, demanda uma atenção primária às pessoas – os cidadãos que, por meio de seus impostos, financiam a máquina estatal e esperam resultados tangíveis e equitativos. Essa perspectiva implica um compromisso irrestrito com a dignidade e a adequada atenção às necessidades de cada indivíduo, sem exclusões. Adicionalmente, a sustentabilidade engloba a gestão responsável do meio ambiente, reconhecendo-o como o único espaço para a vida e, portanto, um patrimônio inestimável a ser preservado para as futuras gerações.
A adoção dos princípios de ESG (Ambiental, Social e Governança) pelo setor público reflete essa compreensão ampliada. O aspecto social reforça a centralidade das pessoas, o aspecto ambiental sublinha a importância da preservação dos recursos naturais, e o aspecto da governança assegura a estrutura bem-estruturada que permite a entrega de resultados consistentes. Mensurar o comportamento das organizações públicas em relação a esses pilares é um desafio metodológico, mas fundamental para a accountability e a melhoria contínua. Não se trata apenas de aderir a regulamentos ou verificar itens de conformidade, mas de avaliar a própria maneira como a organização se comporta e os fundamentos de tais comportamentos. A experiência do Tribunal de Contas da União (TCU) na criação de sistemas de mensuração baseados em proxies (mensuradores indiretos) demonstra a viabilidade de radiografar a atuação das entidades. Essas mensurações, ainda que não abranjam a totalidade da complexidade da governança, fornecem uma radiografia suficientemente robusta para a tomada de decisões, especialmente quando aplicadas a diversas organizações e permitindo comparações relevantes.
A relevância de tais mensurações reside na capacidade de identificar riscos e oportunidades, orientando o investimento em áreas críticas sem a necessidade de buscar uma "nota máxima" genérica, que nem sempre se alinha aos riscos específicos de cada entidade. A maturidade de uma organização em governança não se mede por uma pontuação absoluta, mas pela sua capacidade de adaptar sua estrutura e ações para atender aos riscos relevantes e garantir que os resultados esperados pelos cidadãos sejam efetivamente entregues. Essa abordagem holística e orientada para resultados, intrínseca ao conceito de sustentabilidade, exige uma cultura organizacional que valorize a transparência, a responsabilidade e a busca contínua pela melhoria. A governança pública, assim, torna-se o instrumento pelo qual a administração não apenas cumpre suas obrigações legais, mas projeta um futuro de bem-estar social e ambiental, assegurando a capacidade de continuar gerando valor em longo prazo.
A sustentabilidade, entendida como a prática de "fazer coisas boas hoje que permitam que no futuro a gente continue sendo capaz de fazer coisas boas", reflete uma visão de longo prazo para a gestão pública. Esta visão implica em decisões estratégicas que considerem o impacto intergeracional, assegurando que os recursos e as capacidades do Estado não sejam exauridos em detrimento das necessidades futuras. A integração do conceito de ESG no cerne da governança pública representa um avanço significativo, pois formaliza e prioriza as dimensões ambiental, social e de governança como elementos indissociáveis da performance e da legitimidade das organizações. O desafio de mensurar esses aspectos, superando a superficialidade das meras verificações, reside na construção de indicadores que capturem a complexidade dos comportamentos e dos impactos reais gerados.
A robustez de um sistema de governança sustentável está na sua capacidade de adaptação e na sua orientação para a minimização de riscos e maximização de oportunidades. Ao invés de perseguir uma conformidade idealizada, as organizações são estimuladas a identificar suas vulnerabilidades e a alocar recursos de forma estratégica para mitigar os riscos mais prementes e favorecer a entrega de valor à sociedade. Essa abordagem pragmática garante que a governança seja um instrumento vivo, capaz de responder às dinâmicas sociais, econômicas e ambientais, e não apenas um conjunto estático de regras. A experiência do TCU, ao desenvolver questionários aplicáveis e comparáveis, oferece uma metodologia valiosa para essa autoavaliação e para o benchmarking entre as entidades. Tal iniciativa não apenas impulsiona a maturidade da governança, mas também fomenta uma cultura de aprendizado contínuo e aprimoramento, essencial para um setor público que se pretende eficaz, responsável e, acima de tudo, sustentável em sua missão de servir ao cidadão.

Professor Cláudio da Silva Cruz
Auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), onde atua hoje na Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado (TCU/SecexEstado). É professor do Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGP), tendo atuado também nos temas Contratações, Contratações de TI, Governança de TI e Governança Pública, em nível de pós-graduação. É Mestre em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação (UCB, 2008), com ênfase em Contratações de Serviços de TI no setor público. É co-autor do "Referencial Básico de Governança Pública Organizacional 3ª edição" (TCU, 2020) e membro da equipe do iESGo2024/TCU.
Cursos do Professor
Governança Corporativa Pública - Uma Abordagem Prática de seus Mecanismos

