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O Imperativo da Adaptação Estratégica: Repensando o Planejamento no Setor Público

O Imperativo da Adaptação Estratégica: Repensando o Planejamento no Setor Público

A governança pública contemporânea encontra-se imersa em um ambiente de complexidade sem precedentes, caracterizado por rápidas transformações e incertezas que desafiam os paradigmas tradicionais de planejamento. A transição de um cenário relativamente estável para um ecossistema globalizado e interconectado exige uma reavaliação fundamental das abordagens estratégicas, especialmente no setor público, onde a previsibilidade foi, por muito tempo, a pedra angular da gestão. O que se observa hoje é um descompasso crescente entre as metodologias de planejamento enraizadas em modelos lineares e as demandas de um mundo intrinsecamente volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), ou, em uma perspectiva mais recente, frágil, ansioso, não-linear e incompreensível (BANI).

Historicamente, o planejamento estratégico no âmbito governamental foi concebido sob a premissa de que o futuro poderia ser mapeado com relativa precisão. Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e metas de longo prazo eram elaborados com a expectativa de que as condições subjacentes permaneceriam estáveis durante o período de execução. Contudo, a experiência recente, exemplificada por crises sanitárias globais, avanços tecnológicos disruptivos e mudanças geopolíticas abruptas, demonstrou a fragilidade dessa suposição. A pandemia de COVID-19, por exemplo, revelou a necessidade urgente de agilidade e adaptabilidade nas estruturas estatais, expondo a lentidão e a rigidez inerentes a processos de planejamento que levam meses ou anos para serem formulados e, por vezes, se tornam obsoletos antes mesmo de sua plena implementação. A dimensão dessas mudanças exige que o setor público não apenas reaja, mas antecipe e se posicione proativamente. A capacidade de discernir padrões emergentes e de se desvencilhar de premissas antiquadas é crucial para a sobrevivência e a relevância das instituições na era digital.

A crítica central aos modelos tradicionais reside em seu foco excessivo na previsibilidade e nas entregas, em detrimento dos resultados efetivos. A elaboração de planos detalhados, frequentemente volumosos e repletos de atividades operacionais, confunde o cumprimento de tarefas com a geração de valor público. A aferição do progresso torna-se uma métrica de atividades concluídas, e não de benefícios alcançados para a sociedade. Essa abordagem engessa a capacidade de resposta das organizações públicas, resultando em retrabalhos, desperdício de recursos e, em última instância, na destruição de valor, uma vez que o esforço é direcionado para iniciativas que, em um cenário mutável, podem não ser as mais relevantes ou impactantes. A mentalidade de "check-list" obscurece a visão estratégica, transformando a gestão em uma corrida por cumprir etapas, sem a devida reflexão sobre o impacto real e a relevância das ações em curso. É uma miopia gerencial que impede a verdadeira inovação e a entrega de serviços públicos de excelência.

A falácia do planejamento, conceito explorado por pensadores como Daniel Kahneman, corrobora essa perspectiva ao indicar a tendência humana de subestimar prazos, custos e riscos, ao mesmo tempo em que superestima os benefícios de suas ações. No contexto público, essa falácia se manifesta na crença otimista de que um plano cuidadosamente elaborado garantirá o sucesso, ignorando a intrínseca imprevisibilidade do ambiente. A citação de Dwight D. Eisenhower, "Os planos são inúteis, mas o planejamento é essencial", encapsula essa dicotomia: o valor não reside na rigidez do documento final, mas no processo contínuo de pensar estrategicamente, antecipar cenários e recalibrar rotas. No campo da gestão pública, isso significa que a capacidade de aprender e se ajustar continuamente é mais valiosa do que a aderência cega a um plano estático. A flexibilidade e a resiliência tornam-se atributos mais valorosos do que a precisão de um plano que, por definição, está sujeito a modificações constantes em um cenário dinâmico.

O ambiente VUCA descreve um mundo onde a volatilidade (mudanças rápidas e imprevisíveis), a incerteza (dificuldade em prever eventos), a complexidade (multiplicidade de fatores interconectados) e a ambiguidade (dificuldade em compreender a realidade e determinar causa-efeito) são a norma. Mais recentemente, o conceito BANI (fragilidade, ansiedade, não-linearidade e incompreensibilidade) aprofunda essa análise, destacando a vulnerabilidade de estruturas antes consideradas robustas, a ansiedade gerada pela falta de controle e a dificuldade em discernir relações de causa e efeito em sistemas não-lineares. Para o setor público, esses conceitos traduzem-se em desafios significativos na formulação de políticas, na alocação de recursos e na prestação de serviços. A fragilidade das cadeias de suprimentos durante a pandemia, a ansiedade social gerada por crises econômicas e a dificuldade em atribuir resultados diretos a ações complexas são exemplos práticos da manifestação desses conceitos no cotidiano da administração pública.

Diante desse panorama, a manutenção do foco no que é verdadeiramente importante torna-se um desafio premente. Se as instituições públicas persistirem na utilização de metodologias e frameworks que foram concebidos para um cenário de previsibilidade, os resultados tenderão a ser os mesmos: planos não implementados, baixa efetividade e desengajamento das equipes. A liderança no setor público, portanto, precisa abraçar uma mentalidade de agilidade e adaptabilidade, compreendendo que a estratégia não é um ponto final, mas um processo vivo de ajuste e reajuste. É fundamental que as metodologias de gestão permitam que as organizações públicas sejam rápidas em suas respostas, flexíveis em suas abordagens e, acima de tudo, orientadas a resultados concretos que gerem valor para o cidadão. A transição de um modelo de gestão focado no esforço e na entrega para um modelo centrado no impacto e no resultado é um imperativo para a resiliência e a eficácia da governança pública na era contemporânea. Este alinhamento estratégico é crucial para garantir que as ações diárias de gestores e servidores contribuam para uma visão de futuro compartilhada, mesmo em um cenário de constantes mudanças. A capacidade de se reinventar e de aprender com a experiência torna-se, assim, o novo capital intelectual da gestão pública.

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