A administração pública, em sua complexidade inerente, enfrenta desafios persistentes que podem comprometer a efetividade da governança e a entrega de resultados à sociedade. Entre as barreiras mais proeminentes, destacam-se a descontinuidade entre gestões e a resistência cultural organizacional. Embora onipresentes, a experiência tem demonstrado que os mecanismos de governança, quando aplicados com rigor e persistência, são capazes de promover transformações significativas e duradouras.
A descontinuidade entre gestões é um entrave crônico que afeta a perenidade das políticas públicas e a acumulação de conhecimento institucional. A cada mudança de governo ou de equipe de gestão, há o risco de descarte de projetos, revisão de prioridades e perda de aprendizados, resultando em desperdício de recursos e ineficiência. Contudo, o processo de planejamento estratégico emerge como um instrumento poderoso para mitigar esse problema. Ao empoderar a camada administrativa média – servidores com maior permanência e menor rotatividade – o planejamento estratégico institucionaliza a direção e os objetivos de longo prazo. Essa transferência de poder decisório e executivo para a burocracia de carreira garante uma maior continuidade administrativa, pois as metas e os projetos deixam de ser reféns da discricionariedade de um único gestor, tornando-se patrimônio da instituição. Diversos órgãos públicos já demonstram o sucesso dessa abordagem, onde a estabilidade do corpo técnico assegura a progressão dos objetivos estratégicos, independentemente das trocas no comando.
A cultura organizacional resistente representa outro desafio substancial. A cultura, definida como o conjunto de comportamentos e valores que moldam a coletividade em uma organização, pode ser um freio à inovação e à adaptação. No entanto, ela não é imutável. A cultura pode e deve ser objeto de planejamento estratégico, com incentivos para sua transformação. A experiência mundial comprova que, ao aplicar consistentemente os mecanismos de governança – como a promoção da transparência, a valorização da ética, o fomento à responsabilidade individual e coletiva, e o incentivo à participação –, os comportamentos organizacionais tendem a melhorar gradativamente. Essa mudança, embora lenta e progressiva, é um processo humano que exige paciência, persistência e, crucialmente, investimento na formação das futuras gerações de servidores. É fundamental que as novas pessoas que ingressam na administração pública sejam capacitadas e engajadas com a importância da boa governança e da melhoria contínua dos comportamentos organizacionais.
Além do planejamento estratégico e da transformação cultural, outros elementos são cruciais para a superação dos desafios. A gestão de riscos, por exemplo, é uma área de notória fragilidade no setor público, mas que se mostra cada vez mais vital frente a crises (pandemias, desastres naturais) e ameaças (ciberataques). O amadurecimento nessa área, com a implementação de planos de contingência e continuidade de negócios, é um imperativo. A transparência também desempenha um papel fundamental, ao permitir a detecção precoce de problemas e vulnerabilidades, enquanto a accountability individual responsabiliza os gestores pelos resultados.
Em suma, a superação dos desafios na governança pública passa por uma abordagem multifacetada, onde o planejamento estratégico se apresenta como a prática central, capaz de irradiar desenvolvimento em todas as demais áreas. Ao focar na institucionalização da visão de longo prazo e na promoção de uma cultura de responsabilidade e integridade, as organizações públicas podem garantir a perenidade de suas ações e a maximização da entrega de valor ao cidadão.

Professor Cláudio da Silva Cruz
Auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), onde atua hoje na Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado (TCU/SecexEstado). É professor do Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGP), tendo atuado também nos temas Contratações, Contratações de TI, Governança de TI e Governança Pública, em nível de pós-graduação. É Mestre em Gestão do Conhecimento e da Tecnologia da Informação (UCB, 2008), com ênfase em Contratações de Serviços de TI no setor público. É co-autor do "Referencial Básico de Governança Pública Organizacional 3ª edição" (TCU, 2020) e membro da equipe do iESGo2024/TCU.
Cursos do Professor
Governança Corporativa Pública - Uma Abordagem Prática de seus Mecanismos

