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Repatriação de Dados e Sistemas da Nuvem para a Infraestrutura Local: Mito ou Realidade?

Repatriação de Dados e Sistemas da Nuvem para a Infraestrutura Local: Mito ou Realidade?

Imagem de Nuvem
Gerada pelo Microsoft Microsoft 365 Copilot
Nos últimos meses, tenho visto algumas postagens e comentários alarmistas sobre a repatriação de dados e sistemas da nuvem para ambientes on-premises. Parece que de repente muitas organizações resolveram abandonar a nuvem, considerando que ela é mais cara e complicada do que se pensava e a solução para isso é trazer tudo de volta para o datacenter local. Eu mesmo ouvi comentários genéricos como esse: “Por isso que tem muita empresa desistindo da nuvem…”. Será que é isso mesmo? Vamos dar uma olhada mais de perto.
O que é a repatriação

Do mesmo jeito que podemos levar workloads para a nuvem, o que é conhecido simplesmente como migração, podemos trazê-los de volta para a nossa infra local, e é esse movimento de retorno que é conhecido com repatriação, do termo em inglês ‘repatriation‘. O termo quase sempre foi utilizado como uma desistência em relação ao uso de nuvem, pelo fato de o sistema não ter atingido o desempenho esperado, ou ter gerado um custo que não cabe mais no orçamento.

 

Ideia de repatriar massivamente é vista como obsoleta pelo Gartner

Já há alguns anos que o Gartner põe a repatriação como um movimento que se tornou obsoleto, no sentido de não oferecer a melhor relação de custo e benefício para as organizações. Isso pode ser visto na publicação anual em que detalha o Ciclo de Expectativas sobre as tecnologias de nuvem (Hype Cycle for Cloud Computing, cujo link vai no primeiro comentário). O Gartner, inclusive, recomenda ser cético sobre casos de repatriação, visto que são raros e, quando ocorrem, usualmente resultam de circunstâncias e cenários específicos.

 

O Slide do Michael Dell: Sensacionalismo ou Realidade?

O tema voltou à baila (entreguei a idade?) há algumas semanas quando o Michael Dell apresentou um slide de um relatório da Barclays de abril de 2024, mostrando que 83% das empresas consultadasplanejavam repatriar cargas de trabalho da nuvem nos seis meses seguintes.

Uau, que número alto, né? Mas calma lá! Esse slide foi usado de forma bem tendenciosa, como ocorre quase sempre que a repatriação é alardeada como um movimento de massa. Outros dados do mesmo relatório (não citados e nem exibidos pelo Michael Dell) mostram que a média do percentual de workloads da organização que já estão na nuvem é de 42%, e que o percentual médio de gasto na nuvem, considerando o orçamento anual de TI da organização, é de 27%.

Isso mostra que as organizações que responderam usam a nuvem de forma muito relevante em suas operações. A informação mais importante do relatório em relação ao tema é que 70% dos respondentes esperam aumentar os gastos com nuvem ainda este ano, enquanto apenas 26% têm a mesma expectativa para a nuvem privada. Ou seja, não é bem assim que a banda toca, Michael Dell! Peço, inclusive, que não faça comentários aqui! Obrigado.

 

O Que Está Sendo Repatriado e Por Quê?

Vamos aos fatos: as cargas de trabalho que estão sendo repatriadas variam de poder computacional e armazenamento a firewalls, load-balancers e bancos de dados. Isso não significa uma renúncia à nuvem, mas sim ajustes específicos. Os motivos? Redução de custos, aumento da segurança, mais flexibilidade e redução de riscos de lock-in. E claro, a soberania dos dados também entra na jogada. Mas percebam que para um mesmo tipo de workload há vários motivos apontados pelos respondentes para que estejam planejando repatriação. Por fim, responder que planeja repatriar não significa necessariamente que o movimento irá ocorrer.

Nuvem Híbrida: O Melhor dos Dois Mundos

O que estamos vendo é uma consolidação da nuvem híbrida como o modelo mais sustentável. As organizações estão movendo cargas de trabalho nas duas direções: da privada para a pública e da pública para a privada. Isso é resultado de análises mais maduras e críticas sobre o melhor ambiente para cada workload em cada momento. Ir para a nuvem não é só migrar dados e criar serviços lá e ficar pagando as contas. É um trabalho sério e rotineiro de monitoramento de custos, de desempenho e de mudanças nos objetivos organizacionais. E se, para um determinado workload, a melhor opção para a organização for trazê-lo de volta, por que não fazê-lo?

 

O Efeito da Pandemia

Um potencial aumento de repatriações (mesmo não sendo tão comuns) pode estar ocorrendo como um ajuste à ida massiva e acelerada para a nuvem durante a pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2022. Muitas cargas foram para a nuvem em um modelo lift-and-shift, sem adaptações. Agora, com mais maturidade no uso da nuvem e um foco maior na gestão de custos, algumas dessas cargas podem estar voltando para aproveitar recursos on-premises liberados pela migração anterior. Assim, é possível diminuir os custos temporariamente enquanto elas são adaptadas, ou por considerar que a nuvem privada é a melhor opção para elas.

 

Conclusão: Não Entre em Pânico!

Então, antes de sairmos por aí dizendo que a nuvem está com os dias contados, ou não era tudo aquilo que se falava, precisamos analisar cada situação criticamente. A nuvem não é uma “bala de prata”, ou seja, pode não ser a melhor opção para alguns workloads. Isso não invalida os grande e já reconhecidos benefícios do seu uso para as organizações. O que estamos vendo é um ajuste saudável, resultado de uma maior maturidade no uso da nuvem. A nuvem híbrida está aí para ficar, e a repatriação de dados e serviços é apenas uma peça desse quebra-cabeça complexo.

 

Breno CostaBreno Costa
Diretor no Tribunal de Contas da União
Professor, palestrante e autor | Computação em Nuvem

Curso Contratando Serviços de Computação em Nuvem no Setor Público

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