A gestão de qualquer organização, seja ela privada ou pública, frequentemente se depara com um desafio fundamental conhecido como problema de agência. Este conceito, proveniente da teoria econômica, descreve a divergência de interesses que pode surgir entre duas partes: o principal e o agente. O principal é a parte que detém o controle ou a propriedade e busca que seus interesses sejam atendidos. O agente é a parte contratada para agir em nome do principal, mas que possui seus próprios interesses, que nem sempre se alinham perfeitamente com os do contratante. No contexto do setor público e das empresas estatais, a compreensão e a mitigação do problema de agência são cruciais para a promoção da eficiência, da probidade e do valor público.
A essência do problema de agência reside na assimetria de informação. O agente, por estar no dia a dia da operação e possuir conhecimento especializado, detém mais informações sobre o negócio do que o principal, que, muitas vezes, está afastado da gestão cotidiana. Essa vantagem informacional pode ser utilizada pelo agente para perseguir seus próprios objetivos, em detrimento dos interesses do principal. Por exemplo, um gestor público pode priorizar projetos que aumentem seu prestígio pessoal ou que favoreçam grupos específicos, em vez de focar na otimização dos serviços para o cidadão. A consequência direta dessa assimetria e da potencial divergência de interesses é o conflito de interesse, que pode levar a decisões subótimas e ao desperdício de recursos.
A analogia de uma padaria familiar ilustra perfeitamente essa dinâmica. Quando o proprietário-fundador (o principal) se afasta da gestão diária e contrata um executivo (o agente) para administrar o negócio, surge o risco de que as decisões do executivo não reflitam totalmente a visão e os valores do proprietário. O executivo pode, por exemplo, optar por estratégias que priorizem o lucro de curto prazo (como reduzir a qualidade dos produtos para cortar custos), enquanto o proprietário valoriza a manutenção de uma tradição familiar e a qualidade artesanal. Sem mecanismos eficazes, a visão do agente pode prevalecer, afastando o negócio de seu propósito original.
No âmbito das empresas estatais, o problema de agência assume uma dimensão de complexidade ainda maior. O principal é a sociedade como um todo, proprietária última dos bens públicos e beneficiária dos serviços estatais. O agente primário é o governo, que, por sua vez, delega a gestão a conselhos de administração e diretorias das estatais. A cadeia de agência é, portanto, mais longa e intrincada. Os riscos se amplificam:
- Inércia e Ineficácia: A ausência de clareza sobre o propósito público da estatal pode levar à falta de ação ou à manutenção de entidades sem função social relevante.
- Irregularidades e Desvios: A concentração de poder nas mãos de poucos agentes, sem contrapesos efetivos, aumenta o risco de abuso e corrupção, pois a assimetria de informação é explorada para interesses privados. Uma governança robusta distribui e equilibra o poder, mitigando essa vulnerabilidade.
- Ineficiência Operacional: O desperdício de recursos e a alocação inadequada de investimentos podem ocorrer quando as decisões não são tomadas com base em critérios técnicos e transparentes, mas sim em agendas pessoais ou políticas de curto prazo.
- Não Geração de Benefício Prometido: Projetos e políticas prometidos pela gestão podem não ser entregues, resultando em frustração e desconfiança da sociedade, um sintoma claro de má governança.
- Antieconomicidade: Escolha de alternativas que não são as mais adequadas ou econômicas, como o lançamento de produtos ou serviços que não encontram aceitação no mercado, resultando em perdas significativas.
A governança surge como a resposta estrutural a esse problema. Ela compreende um conjunto de estruturas, processos e mecanismos desenhados especificamente para alinhar os interesses do agente aos interesses do principal. Seu objetivo primordial é maximizar a probabilidade de que o comportamento dos gestores (agentes) atenda aos anseios da sociedade (principal). Isso é alcançado por meio de:
- Transparência: Reduz a assimetria de informação, fornecendo ao principal o conhecimento necessário para fiscalizar as ações do agente.
- Prestação de Contas: Garante que o agente relate e justifique suas decisões e resultados, fortalecendo o controle social.
- Responsabilização: Assegura que os agentes sejam responsabilizados por suas ações e promovam um senso de dever fiduciário para com o patrimônio público.
A Lei 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, é um marco nesse sentido, pois estabelece uma série de requisitos e estruturas de governança que visam exatamente a mitigar o problema de agência nas empresas estatais brasileiras. Ao fortalecer conselhos de administração, comitês de auditoria e mecanismos de controle interno, a lei busca criar um ambiente onde o interesse público seja a bússola que orienta todas as decisões, evitando que a desordem, o atrito e o mau desempenho se instalem como consequência da falta de alinhamento. A boa governança, portanto, não é um mero formalismo, mas uma ferramenta estratégica essencial para o sucesso e a sustentabilidade das empresas estatais no cumprimento de sua dupla missão.