Governança de TI no Setor Público à Luz da Teoria Institucional
A Teoria Institucional não é normalmente vista como uma teoria de mudança organizacional, mas, geralmente, é considerada uma explicação da similaridade (isomorfismo) em uma população que atua no mesmo ambiente, ou ainda, em uma área de interesse organizacional (GREENWOOD; HININGS, 1996, p. 1023). Desse modo, os conceitos inerentes a essa Teoria podem explicar como se processam as mudanças em ambientes altamente institucionalizados, comuns às organizações do setor público brasileiro.
Segundo a Teoria Institucional, as organizações são levadas a incorporar as práticas e procedimentos definidos pelos conceitos que predominam no ambiente organizacional e que estejam institucionalizados no ambiente em que atuam. Assim, as estruturas formais de muitas organizações refletem os mitos de seu ambiente institucionalizado em vez das reais necessidades das atividades de trabalho (MEYER; ROWAN, 1977, p. 340).
As estruturas formais que celebram mitos institucionalizados diferem das estruturas que buscam atuar de forma eficiente. Nesses casos, o cumprimento de ritos cerimoniais incorporados pelas organizações é mais significante, que a obtenção de resultados concretos (MERTON, 1940; MARCH; SIMON, 1958 apud MEYER; ROWAN, 1977, p. 355).
Assim, a simples introdução, no setor público, dos modelos e boas práticas do setor privado, sem considerar as características das organizações públicas e sua necessidade de legitimar procedimentos e ações, gera mais resistência do que apoio do nível operacional. A legitimidade, inerente ao modelo institucional, faz com que as coisas sejam feitas de certa maneira, pelo simples fato de haver se tornado o único modo aceitável de fazê-las (ZUCKER, 1977 apud EISENHARDT, 1988, p. 492).
Como consequência das Pressões Institucionais incompatíveis com a realidade das áreas de TI, ou seja, de exigências superiores a sua capacidade de atendimento, os gestores dessas áreas buscam o cumprimento do rito coercitivo, independentemente da efetividade de seus resultados. A falta de resultados efetivos e a tentativa de cumprimento de determinações independentemente do nível de maturidade/capacidade da equipe fazem com que as áreas de TI incorram em novas falhas, gerando mais mitos burocráticos e ritos cerimoniais que podem levar a estagnação das atividades do órgão. Para Machado da Silva e Gonçalves (1999 apud ROSSETO C.; ROSSETO A., 2005, p. 6) as organizações interagem com o seu ambiente em busca de legitimidade, fazendo com que as decisões tomadas sejam influenciadas pela conformidade às regras, normas e crenças (mitos) institucionalizadas, independentemente dos critérios de eficiência, distanciando a estrutura formal das práticas adotadas.
Da mesma forma, o nível estratégico do órgão, ao assumir compromissos políticos e sociais incompatíveis com a maturidade/capacidade de sua área de TI, encaminha demandas inexequíveis de serem cumpridas se respeitada a conformidade com as normas, procedimentos e boas práticas previstas para a área de TI. O resultado desse contrassenso é o desalinhamento da área de TI com os objetivos estratégicos do órgão, ou o descumprimento de determinações normativas e legais, ou ambos.
Por essa justa medida, entende-se que a implantação da Governança de TI no Setor Público Brasileiro, não acontecerá por determinação de Lei, Decreto presidencial, Acórdão do Tribunal de Contas ou por Portaria Ministerial, do mesmo modo que no setor privado não se implanta uma Governança de TI, pela simples vontade do proprietário/acionista. A área de TI deve ter os meios (recursos) e a capacidade (competência e habilidade) para incorporar as mudanças organizacionais necessárias. Para LUNARDI, 2008 (p. 21), independentemente de estarem ou não engajadas formalmente no processo de implementação da Governança de TI, as organizações, em geral, apresentam níveis de maturidade quanto à utilização dessas práticas no seu dia a dia — algumas desenvolvem seu próprio modelo, outras acabam implementando uma ou mais metodologias ou frameworks já consolidados no mercado (como o COBIT e o ITIL); e também existem aquelas organizações cujo processo de governança ainda não é formalizado, utilizando, entretanto, algumas dessas práticas, em maior ou menor quantidade.
Em ambientes altamente institucionalizados, onde inexistem indicadores de resultado e prevalecem metas ambíguas ou inexequíveis, as organizações tendem à homogeneização como salvaguarda das ações e decisões dos gestores, e sobrevivência da organização (MEYER; ROWAN, 1977).
Assim, o efeito do intercâmbio de conhecimento em busca de legitimidade no ambiente institucional, levará à redução do grau de diversidade, tornando as organizações similares em seus procedimentos e atividades (DIMAGGIO; POWELL, 1983).
Essa tendência à homogeneização no setor público contribui para replicação de modelos e boas práticas de Governança de TI, a necessidade de incorporação práticas já legitimadas agiliza as mudanças, resultando em melhorias nos processos de trabalho e por consequência na governança da área de TI. Para Machado da Silva e Fonseca (1993 apud ROSSETO C.; ROSSETO A., 2005, p. 6) as organizações são levadas a assumirem uma postura isomórfica em relação às organizações líderes em seu ambiente, como forma de autodefesa em relação a problemas que não conseguem resolver por seus próprios meios. Desse modo, implementam processos semelhantes aos de outras organizações a fim de favorecer o seu funcionamento a partir de regras socialmente aceitas.
Desse modo, é possível afirmar que a legitimidade, maturidade e melhoria de processos estão intervinculados entre si, como demonstrado na Figura 6. Então, para melhoria de processos, deve-se elevar a maturidade, por meio da introdução de modelos e práticas já legitimadas em organizações do setor público.
Figura 6 – Interrelacionamento entre Legitimidade, Maturidade e Melhoria de Processos
O Isomorfismo Institucional seria o conceito que melhor representaria essa busca pela homogeneização e legitimidade das decisões e ações. Assim, para a adequada (e legítima) implantação da Governança de TI no setor público brasileiro seria necessária a adoção de mecanismos baseados no isomorfismo institucional , como por exemplo:
- Isomorfismo Mimético – as mudanças decorrem da reprodução de boas práticas e procedimentos de outros órgãos com características semelhante e nível de maturidade mais elevado. A validação da boa prática pelos órgãos normatizadores e de controle, bem como a ampla divulgação dos bons resultados, se torna um elemento de legitimização do órgão e do procedimento;
- Isomorfismo Normativo – as mudanças emanam dos processos de capacitação e treinamento de agentes públicos, de modo a elevar o nível de maturidades do órgão. Esses agentes podem atuar, inclusive, como disseminadores das melhorias;
- Isomorfismo Coercitivo – as mudanças decorrem de determinações internas ou externas que consideram as peculiaridades e maturidade dos agentes responsáveis pela atividade. Essas determinações devem servir de balizadores medianos, pois se pautam em procedimentos já legitimados.
À medida que a utilização de boas práticas e mecanismos de melhoria de processos vai se tornando mais consciente e seu uso mais frequente, maior é o nível de maturidade da Governança de TI, tendo como um dos seus principais benefícios a melhor compreensão dos investimentos realizados e a verificação se os mesmos vêm atingindo os resultados esperados (VAN GREMBERGEN; DE HAES; GULDENTOPS, 2004).
Desse modo a elevação gradativa dos níveis de maturidade dos processos da área de TI, utilizando-se de mecanismos isomórficos institucionais, pode ser a maneira mais adequada para implantação da Governança da Tecnologia da Informação nas organizações do setor público. Enfatiza-se que nem todas as áreas de TI das organizações públicas chegarão ao nível máximo de maturidade e capacidade, pois as necessidades corporativas dos órgãos são diferentes, mas a complexidade dos processos suportados e os riscos inerentes às atividades da organização, darão a justa medida para o nível de maturidade necessário.
A Legitimidade e a Maturidade são elementos-chave para transposição dos problemas institucionais relacionados com a mudança institucional e por consequência para implantação da Governança de TI no setor público brasileiro. A Figura 7 apresenta a importância das ações isomórficas e das boas práticas legitimadas, para a elevação do nível de maturidade da Governança de TI.
Figura 7 – Legitimidade e Maturidade como elementos de mudança organizacional
Desse modo, depreende-se que as diferenças entre a Governança do setor público e privado residem na forma como os agentes responsáveis pela governança reagem às pressões institucionais.
No setor privado, o foco está na busca do resultado financeiro e na melhor remuneração do capital investido, para sobrevivência da empresa.
No setor público, o foco é a salvaguarda das decisões e a legitimidade das ações, pois, muitas vezes a sobrevivência do gestor e da organização depende do cumprimento de cerimoniais, ritos legais e mitos culturais, dado a inexistência indicadores de resultado. (Geraldo Loureiro, 2010)