O que é Governança Corporativa?
A Governança Corporativa teve origem na década de 1930, com o desenvolvimento dos mercados de capitais, responsáveis por boa parte do financiamento e conseqüente crescimento das empresas. (LUNARDI, 2008, p.29). Mas a expressão “Governança Corporativa” surgiu apenas no início dos anos 90, época em que foi publicado o primeiro código de melhores práticas de Governança Corporativa. O primeiro livro com essa expressão no título foi publicado em 1995 – Corporate Governance de Monks e Minow. (ANDRADE; ROSSETTI, 2004, p.20).
As boas práticas de Governança Corporativa permitem que os investidores retomem o poder sobre a empresa e reduzam a discricionariedade dos gestores. A cadeia de comando flui do proprietário para o executor, por meio da ação dos executivos e sob mediação do conselho de administração (board). Os gestores vêem reduzida sua liberdade de ação, mas compartilham as decisões e obtêm apoio e orientação do conselho de administração, que também facilita a interlocução com os acionistas. (FONTES FILHO; PICOLIN, 2005, p.3).
A própria expressão “corporativa” já pressupõe um modelo empresarial pelo qual a organização é uma entidade legal, separada legalmente de seus proprietários, sendo a propriedade representada por ações. (FITCH, 1997 apud FONTES FILHO; PICOLIN, 2005, p.02). Desse modo, Governança Corporativa pode ser definida como os mecanismos ou princípios que regem o processo decisório dentro de uma organização e um conjunto de regras que visam minimizar os problemas de agência. (MARQUES, 2007, p. 13).
Para FONTES FILHO, 2003 (p.5), os modelos de Governança Corporativa se situam em dois eixos: o modelo anglo-saxão, que busca o fortalecimento do proprietário no controle e no estabelecimento de estratégias, com o propósito de maximizar o valor econômico da empresa; e o modelo nipo-germânico, onde a perspectiva proprietário shareholder(*) é ampliada para referir-se às partes interessadas stakeholder (**) e cujo propósito é o equilíbrio do poder nessa relação multi-principal-agente. No âmbito do Brasil, a Governança Corporativa das empresas se aproxima do modelo nipo-germânico, pois de modo semelhante ao do Japão e Alemanha, os bancos tem papel importante no financiamento do desenvolvimento das empresas.
(*) Shareholder = Acionista, é a pessoa física ou jurídica, proprietária de ações de um (ou mais) dos tipos de Sociedades Anônimas ou Sociedade em comandita por ações (WIKIPEDIA).
(**) Stakeholder = Parte interessada ou interveniente, refere-se a qualquer pessoa ou entidade que afeta ou é afetada pelas atividades de uma organização (WIKIPEDIA).
Os conceitos de Governança Corporativa, identificados em pesquisa bibliográfica, são relacionados no quadro 1, juntamente com os objetivos implícitos e a qualificação extraídos.
Autor | Conceito | Principais Características |
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SHLEIFER; VISHNY, 1996 (p. 2) | GC é o campo da administração que trata do conjunto de relações entre a direção das empresas, seus conselhos de administração, seus acionistas e outras partes interessadas. Estabelece os caminhos pelos quais os provedores de capital das corporações são assegurados do retorno de seus investimentos. | Objetivo: Assegurar o retorno para os investidores das organizações. (Valor)Qualificação: Consiste dos mecanismos que tratam das relações entre a direção, conselhos, acionistas e interessados. (Mecanismo de relacionamento) |
CADBURY, 1999 (p.1) | GC é o sistema por meio do qual as companhias são dirigidas e controladas. É expressa por um sistema de valores que rege as organizações em sua rede de relações internas e externas. | Objetivo: Dirigir e controlar corporações. (Direção e controle)Qualificação: É expressa em sistema de valores que rege as relações internas e externas. (Mecanismo de relacionamento) |
Claessens; Fan (2000 apud ANDRADE; ROSSETTI, 2004, p.26) | GC diz respeito a padrões de comportamento que conduzem à eficiência, ao crescimento e ao tratamento dado aos acionistas e a outras partes interessadas, tendo por base princípios definidos pela ética aplicada à gestão de negócios. | Objetivo: Obtenção de eficiência, crescimento e bom tratamento a acionistas e interessados. (Indefinido)Qualificação: Consiste em padrões de comportamento baseados em princípios ligados à ética aplicada à gestão. (Mecanismo de relacionamento) |
Hitt; Ireland; Hoskisson (2001, apud ANDRADE; ROSSETTI, 2004, p.26) | Como a GC nasceu entre a propriedade e a gestão das empresas, seu foco é a definição de uma estrutura de governo que maximize a relação entre o retorno dos acionistas e os benefícios auferidos pelos executivos. Neste sentido, envolve a estratégia das corporações, as operações, a geração de valor e a destinação de resultados. | Objetivo: Estabelecer uma estrutura de governo que maximize o retorno dos acionistas e os benefícios auferidos pelos executivos. (Valor)Qualificação: Envolve a estratégia das corporações, as operações, geração de valor e destinação de resultados. (Mecanismo de relacionamento) |
Mathiesen (2002 apud ANDRADE; ROSSETTI, 2004, p.26) | GC é um campo de investigação focado em como monitorar as corporações, através de mecanismos normativos, definidos em estatutos legais, termos contratuais e estruturas organizacionais que conduzam ao gerenciamento eficaz das organizações, traduzido por uma taxa competitiva de retorno. | Objetivo: Gerenciamento eficaz das organizações, avaliado por uma taxa competitiva de retorno. (Valor)Qualificação: Consiste em mecanismos normativos definidos em estatutos, termos contratuais e estruturas organizacionais. (Mecanismo de relacionamento) |
ITGI, 2003 (p.6) | GC é um conjunto de responsabilidades e de práticas exercidas pelo conselho e direção executiva com o objetivo de fornecer orientação estratégica, garantindo que os objetivos sejam atingidos, apurando que os riscos sejam geridos adequadamente e verificando que os recursos da empresa são utilizados de modo responsável. | Objetivo: Fornecer orientação estratégica, garantir atendimento de objetivos, apurar que os riscos estejam geridos e verificar a utilização responsável dos recursos empresariais. (Direção e controle)Qualificação: Consiste no conjunto de responsabilidades e práticas. (Mecanismo de relacionamento) |
OCDE, 2004 (p.11) | GC envolve um conjunto de relações entre a gestão da empresa, o seu órgão de administração, os seus acionistas e outros interessados. Estabelece, ainda, a estrutura através da qual são fixados os objetivos da empresa e são determinados e controlados os meios para alcançar esses objetivos. | Objetivo: Estabelecer objetivos para empresa e criar mecanismos de controle para atingi-los. (Direção e controle)Qualificação: Envolve a relação entre a gestão da empresa, seu órgão de administração, os acionistas e interessados. (Mecanismo de relacionamento) |
IBGC, 2004 (p. 6) | GC é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas práticas de Governança Corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade. | Objetivo: Aumentar o valor da empresa, facilitar a entrada de capital e contribuir para sua perenidade. (Valor)Qualificação: Consiste num sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas. (Mecanismo de relacionamento) |
ANDRADE; ROSSETTI, 2004 (p.26) | GC é um conjunto de valores, princípios, propósitos, papéis, regras e processos que regem o sistema de poder e os mecanismos de gestão das empresas. | Objetivo: Gerir o sistema de poder e os mecanismos de gestão das empresas. (Direção e controle)Qualificação: Consiste num conjunto de valores, princípios, propósitos, papéis, regras e processos. (Mecanismo de relacionamento) |
ISO/IEC 38500, 2008 (p.3) | GC é o sistema pelo qual organizações são dirigidas e controladas. | Objetivo: Dirigir e controlar organizações. (Direção e controle)Qualificação: Consiste no sistema de direção e controle. (Mecanismo de relacionamento) |
Analisados os objetivos e qualificadores dos conceitos selecionados, identifica-se que os qualificadores, em 100% dos casos, referem-se a mecanismos ou sistemas que orientam a relação entre os atores participantes das organizações. Isso dá à Governança Corporativa um viés instrumental de suporte aos objetivos implícitos nos conceitos.
Por outro lado, esses objetivos implícitos nos conceitos expressam a necessidade de direção e controle das organizações (50%) e a importância da agregação de valor (50%). Esse resultado é compatível com a gênese do conceito – uma resposta aos problemas de agência. Para ESCUDER, 2006 (p.14), o conceito de Governança Corporativa, no âmbito acadêmico, é visto como: “instrumento de gerenciamento de conflitos entre os atores: acionistas controladores, acionistas minoritários, presidentes — CEO, governo e demais agentes”.
Analisando-se os conceitos sob o horizonte temporal, não foi identificada evolução/involução estruturada ou incremental nesses conceitos. A mais recente definição, proferida pelo International Organization for Standardization – ISO e pelo International Electrotechnical Commission – IEC, por meio da norma internacional ISO/IEC 38500, 2008, International Standard for Corporate Governance of IT, é a mais concisa de todas, não expressando, de modo abrangente, os objetivos da Governança em ambiente corporativo.
Como síntese dos conceitos relacionados, pode-se afirmar que o objetivo da Governança Corporativa é estabelecer mecanismos para monitorar a organização de modo a garantir taxas competitivas de retorno aos acionistas e interessados, bem como instituir regras de conduta na relação entre dirigentes, acionistas e interessados.
Para BARRETT, 2001 (p.2), a Governança Corporativa provê o framework estratégico necessário para obtenção de resultados e desempenho esperados para as organizações. Enfatiza o autor que não há dúvidas que a boa governança é inexoravelmente ligada ao bom desempenho e atendimento de metas, contudo, não há um modelo único a ser seguido. Organizações têm diferentes necessidades, em momentos distintos, mas há questões intrínsecas onde é possível adotar boas práticas que auxiliam no estabelecimento de frameworks específicos para o momento. Tal framework contempla estruturas e processos para a tomada de decisões, bem como os controles e comportamentos que suportam uma eficaz responsabilização pelo desempenho nos lucros e resultados. Isto inclui:
- Definir e monitorar direção estratégica;
- Definir políticas e procedimentos para operação dentro de requisitos legais e sociais;
- Estabelecer sistemas de controle e responsabilização (accountability);
- Rever e monitorar gerentes e o desempenho da organização; e,
- Gerenciar riscos.
As boas práticas de Governança Corporativa proposta por BARRETT, 2001 estabelecem um tripé de direção/processo/controle, presente em boa parte dos conceitos analisados, com exceção dos dois últimos aspectos: o gerenciamento de desempenho e de riscos – provavelmente por estarem subentendidos no item “sistema de controle”.