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A Dualidade Essencial das Empresas Estatais: Equilibrando Lucro e Interesse Público

A Dualidade Essencial das Empresas Estatais: Equilibrando Lucro e Interesse Público

As empresas estatais representam uma categoria singular de organização, caracterizada por uma dualidade intrínseca que as distingue tanto das corporações puramente privadas quanto das entidades da administração pública direta. Essa natureza híbrida, que as posiciona na intersecção entre a busca por resultados econômicos e a promoção de objetivos de política pública, é o cerne dos desafios complexos que permeiam sua gestão e governança. Enquanto uma empresa privada é orientada predominantemente pela maximização do lucro e do valor para os acionistas, e uma autarquia visa à prestação de serviços públicos sem fins lucrativos, as estatais navegam em um terreno intermediário, onde ambos os mandatos coexistem e frequentemente competem.

Essa coexistência se manifesta de diversas formas. De um lado, as empresas estatais são avaliadas por sua capacidade de gerar receitas, controlar custos, obter lucratividade e distribuir dividendos, operando muitas vezes em regimes de mercado concorrencial. Espera-se delas a eficiência e a competitividade características do setor privado. De outro, carregam a responsabilidade de cumprir mandatos sociais e de interesse público, que podem incluir a universalização de serviços (como saneamento ou energia em áreas de baixa atratividade econômica), a atuação em setores estratégicos para a segurança nacional, ou a implementação de políticas governamentais que visam à inclusão social ou ao desenvolvimento regional. Essa segunda vertente, muitas vezes, implica em custos que uma empresa privada não arcaria, ou em decisões que não seriam tomadas sob uma lógica estritamente comercial.

A tensão entre o objetivo financeiro e o social é uma realidade constante no dia a dia dessas organizações. Uma empresa estatal de saneamento, por exemplo, pode ser pressionada a reduzir tarifas para populações de baixa renda, mesmo que isso afete sua margem de lucro, ou a expandir a rede para áreas rurais de difícil acesso, com elevado custo de implantação e baixo retorno financeiro. Tais demandas, embora essenciais para o bem-estar coletivo, podem comprometer a saúde financeira da empresa se não forem devidamente compensadas ou planejadas. A ausência de uma clara definição sobre a ponderação entre esses dois objetivos — por exemplo, qual a proporção de investimento que deve ser direcionada para a rentabilidade e qual para a função social — é um dos principais fatores que geram dilemas gerenciais e dificultam a avaliação de desempenho.

A mensuração do desempenho em empresas estatais é, portanto, um desafio que transcende os indicadores financeiros tradicionais. Enquanto índices de liquidez, rentabilidade e retorno sobre o patrimônio são cruciais para avaliar a eficiência econômica, eles são insuficientes para capturar o valor público gerado. É imperativo desenvolver e aplicar indicadores sociais que permitam aferir o impacto das ações da estatal na vida da população, como a cobertura de serviços, a redução de desigualdades sociais, a promoção da inclusão ou a sustentabilidade ambiental. A dificuldade em estabelecer essas métricas sociais de forma clara e objetiva é um obstáculo real, mas superá-lo é fundamental para uma avaliação holística e justa. Iniciativas globais, como os padrões de sustentabilidade e os critérios ESG (Environmental, Social, and Governance), apontam para a necessidade de integrar aspectos não financeiros na avaliação corporativa, um movimento que se alinha perfeitamente à realidade e aos desafios das empresas estatais.

A harmonização desses objetivos exige um exercício de governança robusto, que não apenas defina a estratégia da empresa, mas também estabeleça os mecanismos para conciliar a busca por lucro com o compromisso com o interesse público. Idealmente, essa ponderação deveria ser formalizada e transparente, com o governo, enquanto acionista controlador, estabelecendo diretrizes claras sobre o equilíbrio esperado entre os mandatos financeiro e social para cada estatal. A ausência de tal clareza, a descentralização de decisões e a falta de uma visão de portfólio das estatais pelo governo central podem levar a atuações desalinhadas, comprometendo a eficácia e a legitimidade dessas importantes entidades públicas. O sucesso das empresas estatais depende, em última análise, da sua capacidade de navegar nessa dualidade, transformando o desafio em oportunidade para gerar valor econômico e social de forma integrada e sustentável.

Governança Corporativa nas Empresas Estatais à luz da Lei 13.303-2016

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