A contratação de serviços de nuvem computacional no setor público brasileiro atravessa uma fase de amadurecimento decisiva. Após mais de uma década de experimentações e erros, o tema já não pode mais ser tratado como uma inovação disruptiva — ele se tornou uma infraestrutura essencial à transformação digital do Estado.
Mas por que, ainda hoje, contratar nuvem é um processo repleto de incertezas, dúvidas e riscos mal dimensionados?
Para responder a essa questão, é preciso retornar às origens. No início da adoção de nuvem, os órgãos públicos brasileiros operavam com baixa maturidade tecnológica. Esse cenário levou à opção quase generalizada por modelos operacionais mediados por brokers, empresas integradoras responsáveis por traduzir a complexidade dos provedores para os órgãos contratantes. Essa escolha não foi errada: foi uma resposta pragmática à ausência de competências internas. No entanto, ela teve um efeito colateral: atrasou a internalização da capacidade de gestão desses contratos.
Com o tempo, o modelo evoluiu. Hoje, vemos uma diversidade de estratégias sendo adotadas: centros de excelência em nuvem (CCoE), equipes internas especializadas, contratação direta de provedores ou uso de modelos híbridos. A boa notícia é que o caminho da padronização cega foi abandonado. A má notícia é que muitos órgãos ainda estão inseguros diante da necessidade de fazer escolhas críticas sobre arquitetura, operação, remuneração e governança.
Nesse contexto, dois documentos merecem destaque: os Acórdãos 157/2024 e 292/2025 do Tribunal de Contas da União. Longe de introduzirem novas barreiras, esses acórdãos consolidam aprendizados e ajudam a estruturar o debate sobre riscos reais versus riscos percebidos. Um exemplo é o debate sobre catálogo flexível versus catálogo fixo. O TCU aponta o risco de “objeto indefinido”, mas a prática demonstrou que a flexibilidade contratual, quando bem gerida, é justamente o que permite acesso imediato à inovação — como ocorreu com o uso de IA generativa no TCU.
Mas o verdadeiro desafio não é jurídico. É estratégico e organizacional. Mais de 60% dos órgãos federais ainda não utilizam nuvem. Não por falta de contratos disponíveis, mas por falta de estratégia de transição digital, capacitação técnica e apoio institucional da alta gestão.
Contratar nuvem não é apenas “comprar tecnologia”. É decidir sobre futuro organizacional, continuidade de serviços públicos e capacidade de responder a uma sociedade cada vez mais digitalizada. E essa decisão começa antes da licitação: começa no planejamento, na formação da equipe, na definição da arquitetura e na gestão de riscos.
Deixe seu Comentário: Como estruturar, então, uma primeira contratação de nuvem pública que não seja apenas tecnicamente viável, mas estrategicamente transformadora para o seu órgão?

Professor Breno Costa
Coautor do livro ‘Desmistificando a adoção de Serviços em Nuvem Governamental’ (2019), é Doutor em Informática e Mestre em Computação Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB), com foco em Migração de Sistemas Legados do Governo para a Nuvem. Com 28 anos de experiência em Tecnologia da Informação, atua como Diretor de Relacionamento com Clientes no Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2008, onde contribuiu significativamente para a especificação e contratação de serviços multinuvem e participa ativamente das definições e decisões relativas à fiscalização e gestão do contrato. Possui certificação em FinOps, avançando no conhecimento da gestão do valor da nuvem para as organizações.