Teoria de Agência versus Teoria Institucional
A partir do entendimento de que, conceitualmente, não há diferença entre a Governança Corporativa ou a Governança de TI aplicável nas organizações públicas e privadas, e que as Pressões Institucionais inibem as mudanças e inovações e melhorias no setor público, analisar-se-á as Teorias Organizacionais, especificamente a Teoria de Agência (como maior expoente entre as teorias racionais) e a Teoria Institucional, com o objetivo de identificar caminhos para introdução de mudanças no setor público, pré-requisito para a implantação de boas práticas e procedimentos de Governança de TI no Setor Público Brasileiro.
Para FONTES FILHO, 2003 (p. 6), no setor público também são identificados os problemas de agência, princípio que rege a Teoria de Agência, pois os governantes são incapazes de administrar diretamente todos os órgãos do Estado e delegam essa tarefa a gestores que têm interesses próprios, muitas vezes associados a projetos particulares que irão lhes expandir o poder, os relacionamentos e mesmo a visibilidade política.
Para MELLO, 2006 (p. 18), a Teoria de Agência lida com o relacionamento contratual entre o principal e o agente, em que o agente serve ao principal, conforme as condições estabelecidas em contratos e, quando aplicado no setor público, isso significa um claro relacionamento entre ministros (os principais) e funcionários (os agentes). Por outro lado, considerando a assimetria informacional existente entre agente e principal, a preocupação que paira é saber se o agente (gestor público) tomará a decisão correta para o interesse do principal (cidadão) (MELLO, 2006, p. 20).
Para SLOMSKI (1999; 2003; 2005 apud MELLO, 2006, p. 20), é possível observar a Teoria de Agência (ou problema de agência) no Estado e em entidades que o representam, considerando a presença das três condições necessárias colocadas por Siffert Filho (1996 apud MELLO, 2006, p. 20):
- O gestor público (agente) tem liberdade para adotar vários comportamentos;
- A ação do gestor público (agente) afeta o bem-estar das duas partes (principal e agente);
- As ações do gestor público (agente) dificilmente são observáveis pelo principal (cidadão), havendo, dessa forma, assimetria informacional.
Os postulados acima, e os conceitos apresentados no Título Teorias Organizacionais, demonstram que a Teoria de Agência, apesar de aplicável ao setor público, é insuficiente para explicar as dificuldades de introdução de mudanças no setor público brasileiro, por se restringir aos aspectos relacionados ao binômio principal-agente.
Corrobora esse entendimento os estudos de JACOBSON, 2009 (p. 4), segundo os quais as Teorias Racionais (como a Teoria de Agência) apresentam deficiências ao abordar aspectos do “fenômeno Governança de TI”, que incluem a natureza social da governança, os desafios associados à melhoria e medição de desempenho, bem como a sua evolução ao longo do tempo. Ele propõe a utilização da Teoria Institucional e seu isomorfismo coercitivo, mimético e normativo, como uma alternativa que melhor explicaria esse fenômeno.
Para HJORT-MADSEN, 2007 (p. 3), a Teoria Institucional é um campo multidisciplinar que abrange os campos da ciência política, economia, sociologia e teoria organizacional. De uma perspectiva da ciência política, a teoria institucional está preocupada com a estrutura organizacional e o comportamento nas organizações públicas. O pressuposto no lado racional da Teoria Institucional é que a estrutura organizacional pode criar alguns incentivos para os indivíduos, enquanto o lado sociológico dessa teoria está baseado na delimitação da irracionalidade e incorporação de aspectos sociais, na tomada de decisão, tais como preocupações de legitimidade, estabilidade e reforço nas perspectivas de sobrevivência, isto é a lógica de conveniência. Diferentemente das Teorias Racionais, a Teoria Institucional não analisa com profundidade a dinâmica interna da mudança organizacional, mas contribui fortemente para explicar as similaridades e a estabilidade de arranjos organizacionais em uma área de interesse – o setor público, no caso . Assim, a Teoria Institucional, no contexto do setor público, expressa a governança das organizações sob o ponto de vista intraorganizacional e infraorganizacional.
No modo intraorganizacional, a Teoria Institucional preconiza que os mitos do ambiente institucional impõem práticas e procedimentos que muitas vezes dificultam a eficiência das ações, a realização de mudanças e a incorporação de evoluções tecnológicas. Essa legitimidade faz com que coisas sejam feitas de certa maneira, pelo simples fato de ter se tornado o único modo aceitável de fazê-las .
Sob o ponto de vista infraorganizacional, a Teoria Institucional estabelece que a busca pela legitimidade das ações e decisões, frente às incertezas e restrições, leva à homogeneidade em estrutura, cultura e resultados, fazendo com que as organizações do setor público se tornem similares, sem necessariamente serem mais eficientes. A incorporação de elementos institucionalizados proporciona uma salvaguarda para as decisões e atividades, protegendo o gestor público de ter sua conduta questionada. A decisão se torna legitimada, sendo utilizada pelo gestor para reforçar o seu apoio e assegurar a sua sobrevivência. Desse modo, as estratégias, mesmo que sejam razoáveis para uma organização, podem não ser racionais, se projetadas para todas as organizações do setor público. Assim, o simples fato de serem sancionadas normativamente aumenta a probabilidade da sua adoção.
O isomorfismo institucional, conceito que melhor representa esse processo de homogeneização, decorrente da busca pela legitimidade, é importante ferramenta para se entender as políticas e o cerimonial inerente às organizações do setor público, e apresenta três mecanismos por meio dos quais as mudanças isomórficas institucionais ocorrem:
1) isomorfismo coercitivo, que decorre da influência dos mecanismos de controle interno e externo (normas, leis e recomendações de órgãos de controle);
2) isomorfismo mimético, resultante da reprodução de boas práticas e padronização de procedimentos como resposta às incertezas e falta de recursos; e,
3) isomorfismo normativo, associado à capacitação e profissionalização de agentes públicos.
Apesar de a Teoria Institucional não ser uma teoria de mudança organizacional, ela indica um caminho pelo qual se reduzem as resistências internas e externas. Assim, a busca pela legitimidade da iniciativa, com a incorporação de elementos já institucionalizados, proporcionam uma salvaguarda para as decisões, protegendo a organização e o gestor de ter sua conduta questionada (MEYER; ROWAN, 1977, p. 349).
A legitimidade, inerente ao modelo institucional, faz com que as coisas sejam feitas de certa maneira, pelo simples fato de haver se tornado o único modo aceitável de fazê-las (ZUCKER, 1977 apud EISENHARDT, 1988, p. 492).
Conclui-se então que a Teoria Institucional melhor explica como se processam as mudanças no setor público, pois a simples introdução dos modelos e boas práticas do setor privado, sem considerar as características das organizações públicas e sua necessidade de legitimar procedimentos e ações, gera mais resistência do que apoio do nível operacional.